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STF emprega até condenados por homicídio em gabinete de ministro

 

Quando Marcelo soube que tiraria uma foto com o ministro Gilmar Mendes, pediu para ser avisado antes: no dia, queria vestir uma gravata. Não era só vaidade. O instante seria simbólico para quem, cinco anos antes, vivia num cenário bem diferente dos arcos desenhados por Niemeyer.

Assistente há dois anos no gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) — uma de suas tarefas é pegar processo sigilosos na sala-cofre do tribunal —, Marcelo foi preso em 2007 por tráfico de ecstasy e haxixe e condenado a oito anos de prisão.

 


Marcelo cumprimenta Gilmar Mendes: futuro bem diferente Marcelo cumprimenta Gilmar Mendes: futuro bem diferente
 

Hoje com 30, integra um seleto grupo de 25 detentos do regime semiaberto ou domiciliar que trabalham na mais poderosa corte do país. No último mês, o EXTRA acompanhou a rotina de dez deles, condenados por tráfico, assalto, homicídio, que agora são jardineiros, técnicos de informática e até assistentes jurídicos. Os alunos de Direito, ironia da vida, escrevem habeas corpus.Histórias que mostram como, diante da omissão do governo federal e da maioria dos estados, a Justiça tem assumido a ressocialização de presos no Brasil. No Rio, por exemplo, dos 32 mil presos, nem mil trabalham.

Cada estado tem autonomia para criar sua política de ressocialização. O Ministério da Justiça deveria induzir e articular parcerias. No entanto, hoje, apenas 4% dos presos brasileiros trabalham fora do presídio. Em 2008, quando Gilmar criou o programa no STF, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou o Começar de Novo, que faz a ponte entre tribunais e empresas dispostas a contratar presos e egressos do sistema.

— As alternativas são tão escassas que o Estado corre atrás do próprio rabo. Cada vez encarcera e endurece mais o regime. Com isso, quem é preso se aprofunda no crime — explica o juiz Luciano Losekann, do CNJ.

Disciplina rígida – Quem trabalha no semiaberto segue um cronômetro apertado. No STF, tem uma hora para se deslocar entre a prisão e o tribunal. Atrasos repetidos afetam a progressão de regime. Os presos recebem R$ 650 por mês e, a cada três dias de trabalho, abatem um da pena.

— As regras ajudam a recuperá-los, pois contribui para que eles sejam inseridos novamente na sociedade. Aliás, não se trata de uma ressocialização, mas sim de uma socialização, já que muitos sempre estiveram à margem da sociedade — explica Daniel Telles, da Responsabilidade Social do STF, que coordena o programa.

No total, 70 presos já passaram pelo Supremo. Quase todas as áreas já receberam presos. Entre os gabinetes de ministros, somente o de Gilmar e o de Marco Aurélio de Mello aceitaram.

No dia de cumprimentar Gilmar Mendes e fazer a foto da entrevista, Marcelo avaliou os dois anos no STF. Hoje, ele recorre em liberdade à sua condenação em primeira instância. Considera a pena de oito anos severa para o crime de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Ficou até abril de 2009 na Penitenciária de Cascavel, perto de Brasília. Hoje, tem sonhos mais tranquilos.

— Uma vez, logo quando fui preso, sonhei com dente caindo, e os outros presos me disseram que isso era um presságio de morte. Entrei na paranoia. Minha mulher estava grávida, eu não tinha como me comunicar nem com ela, nem com a minha mãe. Aquela noite foi horrível, ainda que todas as noites na cadeia sejam difíceis. Pedi ajuda a um agente penitenciário, para que ele ligasse e procurasse saber se a minha mulher estava bem. Ele ficou com pena e ligou para a minha família. Minha avó tinha morrido — lembra.

Marcelo hoje se confunde com os demais funcionários do STF. É assim com todos eles. É impossível saber quem está ali por concurso público, nomeação técnica ou graças ao convênio com os presos. Eles não são identificados de nenhuma forma como detentos.

— Não tenho vergonha de dizer que fui preso. Errei, mas estou pagando. Aprendi. Quero estudar Direito, me interessei por isso tudo aqui dentro, vendo o dia a dia do gabinete do ministro Gilmar— conta, enquanto, sem perceber, alisa a gravata.