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Assistência do SUS para vitima de violência doméstica


 

A criação da Lei nº 13.239/2015, assinada no Dia Internacional da Mulher, almeja dirimir não somente as cicatrizes do subconsciente, mas, também, as marcas físicas. A lei prevê cirurgia reparadora pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para mulheres violentadas e está em vigor desde dezembro de 2015.

As questões de gênero e violência contra a mulher tornaram-se temas recorrentes em fóruns de discussões sociais e jurídicas no Brasil. Não sem razão. Segundo o Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2012), a cada 5 minutos, uma mulher é vítima de agressão no Brasil, que ostenta, entre 84 países, o vergonhoso índice de ser o 7º nas maiores taxas de homicídio feminino, de 4,4 mulheres em cem mil, perdendo apenas para El Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia, Colômbia e Belize.

Pelo gráfico de Julio Jacobo Waiselfisz abaixo reproduzido, percebe-se ainda ter havido crescimento assustador nas últimas três décadas.

 

Informações históricas parecem ligar esse comportamento a um perfil mais fortemente ibérico. Richard Ligon, em livro escrito em 1657, intitulado “A true and exact history of Barbadoes”, apud Schwartz (1979, p. 122), registrou em sua obra que os portugueses coloniais “são mais ciumentos de suas amantes que os italianos de suas esposas”.

A força dessa posse obsessiva passou a ter amparo na legislação, como se vê, por exemplo, das Ordenações Filipinas, uma compilação jurídica permeada de absolutismo de direito divino feita durante a dominação castelhana de Portugal, por Filipe II, e que constituiu a base de regulações civis no Brasil até o advento do Código Civil de 1916. Do Livro V, t. XXXXVIII, se lê: “Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a ela como o adúltero, salvo se o marido for peão e o adúltero fidalgo, ou nosso Desembargador, ou pessoa de maior qualidade”.

 A disposição normativa pode parecer chocante, mas é menor que a força de sua receptividade social no Brasil ao longo dos séculos. Seguramente está aí uma das bases históricas para a tal “legítima defesa da honra” que tanto vigor teve por aqui nos julgamentos criminais de uxoricídio, nome que se dá ao homicídio da esposa.

É nesse sentido que se têm alargado os diversos entendimentos acerca da ratificação dos direitos femininos através de Tratados e Convenções, como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (conhecida por CEDAW).

No que tange à prevenção, punição e erradicação da violência doméstica e familiar, surgem, no cenário brasileiro e internacional, as Leis n.º 11.340/2006, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”, e nº 13.104/15, Lei do Feminicídio. Entre suas principais inovações, estão a desconfiguração da violência doméstica como crime de menor potencial ofensivo, o impedimento de penas alternativas e a alteração do Código Penal para incluir mais uma modalidade de homicídio qualificado, o feminicídio, que ocorre quando o crime for praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.

Em verdade, na esteira de um neoconstitucionalismo pautado na dignidade da pessoa humana, vai se tornando inconcebível que as mulheres carreguem as marcas da violência no corpo e na alma, fortalecendo-se uma iniciativa legiferante que fomente a reafirmação feminina como consectário de sua valorização e autoestima.

Dessa forma, a criação da Lei nº 13.239/2015, assinada no Dia Internacional da Mulher, almeja dirimir não somente as cicatrizes do subconsciente, mas, também, as marcas físicas que tanto pesam todas as vezes que uma agredida se olha no espelho. A lei prevê cirurgia reparadora pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para mulheres violentadas e está em vigor desde dezembro de 2015. Segundo ela, hospitais e centros de saúde públicos, ao receberem vítimas de violência, deverão informá-las sobre a possibilidade de acesso gratuito à cirurgia plástica para reparar as lesões ou sequelas de agressão, prevendo, ainda, punição aos gestores que não informarem essa previsão legal às vítimas.

Os procedimentos serão realizados, preferencialmente, nos hospitais da Rede de Cirurgia Plástica Reparadora para Mulheres Vítimas de Violência, constituída em parceria com a SBCP. As cirurgias plásticas reparadoras oferecidas pelo SUS, que atualmente constam na Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPME, são: cirurgia plástica reparadora e reconstrutiva, tratamento de queimados, cirurgia plástica reparadora para lipodistrofia do portador HIV/Aids, cirurgia reparadora pós-cirurgia bariátrica, cirurgias da pele e tecido celular subcutâneo, cirurgia do sistema nervoso central e periférico, cirurgia das vias aéreas superiores, da face, da cabeça e do pescoço, cirurgia do aparelho da visão, cirurgia do sistema osteomuscular, cirurgia do aparelho geniturinário e cirurgia da mama.

Com a nova publicação, além dessas cirurgias, ficam incluídos mais 73 procedimentos relacionados à violência contra a mulher, como reconstrução da orelha, tratamento cirúrgico de lesões extensas com perda de substância de pele, tratamento de pele, tratamento cirúrgico para joelho, cotovelo, mãos e pés, tratamento cirúrgico para os lábios, pálpebras e couro cabeludo, tratamento cirúrgico para fraturas, reconstrução craniana e craniofacial, reconstrução dos lábios, nariz, mandíbula, maxilar e gengiva e tratamento cirúrgico de fístula retovaginal, dentre outros.

No entanto, o atendimento às mulheres não fica restrito a esses procedimentos. De acordo com a portaria de regulamentação, a mulher vítima de violência grave que necessitar de cirurgia deverá procurar a unidade básica de saúde mais próxima para solicitar atendimento e encaminhamento para consulta especializada com cirurgião plástico, portando o registro oficial de ocorrência da agressão (corresponde a qualquer tipo de registro emanado pelo governo ou autoridade administrativa reconhecida, como os prontuários de atendimento assinados pelos profissionais médicos nas consultas de saúde).

Mas, a despeito das inovações proporcionadas pela nova regra, críticas destoantes da realidade brasileira têm sido opostas a ela no sentido de considerar as recentes normatizações especiais como um excesso de normas e capricho legislativo, o que poderia acarretar indesejável insegurança jurídica. É importante ressaltar, por isso, que a nova legislação busca acelerar a obtenção de cirurgias reparadoras, não mantendo outra intenção senão a de garantia mínima dos direitos fundamentais e consolidação do aceso efetivo à Justiça.

Por fim, insta frisar que, através do número 180 (Central de Atendimentos à Mulher em Situação de Violência), é possível realizar denúncias e conferir informações concernentes à rede de atendimento às mulheres vítimas de violência no âmbito do SUS, bem como da Lei nº 13.239.

Samuel Silva Santos, graduando em Direito na Uneb – Campus XX, Brumado.