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Manifestantes podem ser condenados: R$ 15 milhões

Decisão recente do STF pode servir de precedente para a condenação milionária

 

Por 6 votos a 4, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela autorização do corte de ponto dos servidores públicos que decidirem entrar em greve, ressalvada a hipótese de cometimento de ilegalidade por parte do poder público, como falta de pagamento de salário, por exemplo.

O “Dia do Servidor Público”, coincidentemente comemorado no dia seguinte a decisão (28/10), não amanheceu feliz para a classe, que agora poderá pagar por um direito constitucional, garantido no artigo  da Carta Magna de 1988.

Há que se considerar, no entanto, os acontecimentos, argumentos e as teses defendidas pelos ministros que votaram a favor da referida autorização de corte, bem como alguns aspectos constitucionais, para que se possa entender mais densamente esse direito e os seus reflexos, analisando, assim, as possíveis consequências aplicáveis em situações análogas, como, por exemplo, em manifestações.

Entre as teses da decisão supramencionada, existe a do ministro Luís Roberto Barroso, que citando os graves prejuízos causados à população quando setores como educação, saúde e Previdência Social são afetados pelas greves, afirmou que “o corte é necessário para a adequada distribuição dos ônus inerentes à greve, para que a paralisação, que gera sacrifícios à população, não seja adotada pelos servidores sem maiores consequências”.

Ainda, merece reflexão o posicionamento do ministro Gilmar Mendes, para o qual não é lícito pagar o salário integral de servidor em greve, já que “isso não ocorre no setor privado, cessa o pagamento de imediato”, frisando ainda o ministro, em alusão às extensas paralisações que ocorrem anualmente em órgãos e entidades de setores primordiais, que “não estamos falando de greve de um dia”.

Por fim, o ministro Dias Toffoli, relator do processo, garantiu que a decisão do Supremo “não vai fechar as portas do judiciário”, permitindo que sindicatos contestem na Justiça os cortes que ocorrerem.

Somadas às teses dos ilustres ministros, que em geral refletem a prevenção de prejuízos à sociedade por paralisações ilegítimas, estão os vários casos de greves que foram declaradas ilegais pelo Poder Judiciário nos últimos anos no país.

Somente nesse ano, foram apontadas ilegalidades em pelo menos três grandes paralisações: a dos professores da rede estadual do Ceará, a greve dos servidores públicos do Estado de Mato Grosso, e, recentemente, no último dia 27, a dos Policiais Civis do Paraná.

Em alguns casos, como no da greve dos professores da rede pública do Rio de Janeiro, em 2014, mesmo com a declaração de ilegalidade da paralisação pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e com a fixação de uma multa diária no valor de R$ 300 mil em caso de descumprimento do dever de retornar às atividades, o sindicato da categoria, que já era acusado pela desembargadora do Tribunal de “desinteresse pelas negociações”, resolveu manter o movimento.

Tais acontecimentos, seguramente, ajudaram em certa parte a embasar os entendimentos dos ministros que decidiram “deixar a conta” para o funcionalismo.

Analisando agora outro aspecto do direito a greve, correlacionando-o ao direito a manifestação e liberdade de expressão, previstos nos incisos IX e XVI do artigo  da CF/88, temos a situação das ocupações de escolas e faculdades públicas por alunos e professores contrários a Proposta de Emenda à Constituição 241/2016 e a Medida Provisória 746/2016.

Em razão das ocupações contra a PEC e a MP ocorrerem em 405 locais de 20 estados e do Distrito Federal onde seriam aplicadas as provas do Enem – Exame Nacional do Ensino Médio, o Ministério da Educação foi obrigado a adiar a aplicação do exame de 271 mil participantes, que agora farão nova avaliação nos dias 03 e 04 de dezembro.

Para o Governo, a perspectiva pode vir a ser boa ou ruim.

A notícia ruim: estima-se um prejuízo (e custo) para os cofres públicos de cerca de R$ 15 milhões para a aplicação de novas provas para esses candidatos impedidos de realizar o primeiro exame.

A notícia boa: com base na decisão do STF e demais institutos legais, inclusive constitucionais – sem adentrar aqui o mérito quase que inesgotável entre “certo” ou “errado” das duas medidas propostas pelo governo –, é possível também “cobrar a conta” dos grevistas e/ou manifestantes.

A lógica é simples.

Primeiramente, contudo, é preciso diferenciar e entender os seguintes pontos: não existe “greve” de alunos, uma vez que estes usufruem do serviço público, não o prestam; portanto, os alunos são manifestantes. Os professores e demais servidores públicos, que, de acordo com a imprensa, aderiram as paralizações e ocupações, são grevistas.

Conforme já explanado, a partir do novo posicionamento do Supremo, a única ressalva para a suspensão do corte de ponto é a hipótese de cometimento de ilegalidade por parte do poder público.

Assim, por mais polêmica que possam ser as medidas governamentais ora enfrentadas, não se poder afirmar que constituam evidente “ilegalidade” capaz de embasar o direito de suspender o corte.

Portanto, quanto aos grevistas, pode-se asseverar que os mesmos não fazem jus a nenhum dia de remuneração desde que se iniciaram as paralisações, sendo essa a sua parte da conta.

No tocante aos manifestantes, em sua maioria alunos de escolas e faculdades públicas, tem que se sobressair limpidamente o fato de que o direito à liberdade de consciência e livre manifestação em que buscam se albergar é constitucionalmente garantido, nos termos legais já mencionados (art. , incisos IX e XVI da CF/88).

Porém, em suma análise, no caso em tela os referidos manifestantes não podem dizer estarem assistidos por tais direitos, uma vez que, para exercê-los, além de, em tese, desrespeitarem distintas leis ordinárias (prestação contínua de serviços públicos essenciais, artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor; esbulho possessório, artigo 161§ 1º, inciso II do Código Penal; constrangimento ilegal, artigo 146 também do Código Penal), afrontam diretamente outra garantia constitucional, referente ao direito fundamental social à educação, previsto no artigo  da Constituição Federal de 1988, uma vez que estão impedindo que outros alunos frequentem as aulas e que professores as ministrem.

Com o evidente conflito de direitos fundamentais, far-se-ia necessário realizar uma profunda releitura destes e das proteções que visam garantir, frente ao caso concreto, utilizando-se, para tanto, até mesmo a análise pormenorizada e crítica dos Paradigmas Constitucionais: Paradigma do Estado Liberal, Paradigma do Estado Social e Paradigma do Estado Democrático de Direito.

Entretanto, ante a vastidão de conteúdo, mostra-se inviável tal aprofundamento, restando-nos, portanto, uma rasa explanação, mas que, ainda assim, nos leve a uma compreensão.

Em síntese, há que se sopesar a ordem lógica e temporal de ocorrência e das premissas dos Paradigmas Constitucionais: Paradigma do Estado Liberal, que está basicamente ligado à legalidade e em proteger direitos individuais fundamentais, pensando o homem como um ser isolado; Paradigma do Estado Social, no qual são preservados os direitos individuais fundamentais, mas são inseridos os direitos sociais, não se falando em superação, mas em acumulação de direitos, uma vez que o homem começa a ser pensado inserido no seu meio social; e o Paradigma do Estado Democrático de Direito, no qual é inserida a ideia de participação da sociedade através da democracia, de modo a formar conjuntamente, inclusive judicialmente, ante o “novo” papel do Poder Judiciário, decisões justas em uma sociedade pluralista e heterogênea.

Notadamente, mesmo sem se ater às épocas exatas e às densas motivações dos ciclos mencionados, enxergamos o fato de que o surgimento do Paradigma posterior somente tornou-se possível pela crise das visões e premissas do anterior.

Destarte, temos que a garantia de forma extremada e isolada dos direitos individuais fundamentais deixaram a desejar, tendo sido fortalecidos e corretamente redimensionados somente ao serem abarcados pela visão que os inseriu no contexto social, ou seja, a partir do surgimento dos direitos sociais fundamentais.

Deste modo, os direitos sociais, ressalvados os abusos, devem necessariamente ser considerados fundamentadores e limitadores dos direitos individuais.

Neste norte, importante destacar que o direito a livre manifestação, ainda que exercido coletivamente, consagra-se evidentemente em um direito individual.

Portanto, resta explícito que os direitos individuais fundamentais que vem sendo utilizados de alicerce para as ocupações de espaços públicos pelo país, a partir do momento que ultrapassam limites e cerceiam direitos sociais fundamentais de terceiros e da coletividade, de modo geral, são considerados ilegais, implicando na autorização – e no dever – de atuação dos responsáveis pela preservação da ordem jurídica.

Partindo dessa premissa, adaptando-a para a presente situação, revisitamos os argumentos utilizados pelo Supremo para transferir os encargos do direito a greve ao funcionalismo, ante a ilegalidade da mesma: adequada distribuição dos ônus inerentes, para que a paralisação, que gera sacrifícios à população, não seja adotada sem maiores consequências; isso não ocorre no setor privado (…) não estamos falando de paralisação de um dia; não se fecham as portas do judiciário, sendo possível contestar na Justiça as responsabilizações que ocorrerem.

Se a ilegalidade é premissa para “ratear” as despesas do direito a greve, por analogia podemos concluir que também deve ser para responsabilizar e cobrar os prejuízos decorrentes da subversão do direito a livre manifestação, de modo a distribuir o ônus inerente, como seguramente ocorreria no setor privado, resguardando, contudo, o direito de contestar judicialmente as responsabilizações.

Sinteticamente, é possível afirmar: a decisão tomada pelo STF em relação à greve dos servidores públicos, pode, sim, “colocar na conta” dos manifestantes e da União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e União da Juventude Socialista (UJS) todos os milionários prejuízos suportados em razão da não realização da prova do Enem, avaliados em R$ 15 milhões, bem como quaisquer outros que derivarem dessas paralizações.

Resta saber se a justiça seguirá uma lógica que, há algum tempo, em geral, tem sido adotada pelo Judiciário do país: dois pesos e duas medidas.