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Reis Magos

Espaço de leitor

Reis Magos

Por Amadeu Roberto Garrido de Paula

Hora da partida. Em dias nascerá o salvador. Belchior e suas veneráveis clãs deixa Ur; Gaspar, sem receios, desce as montanhas envolventes do Mar Cáspio, de onde jamais saíra; e Baltasar deixa o Golfo Pérsico, a “Arábia Feliz”. O óleo da civilização a tornaria malsinada. Atrasarão por doze dias. Não o perceberão. O tempo era secundário em seus tempos.

Mateus trouxe a anciã mitologia para os evangelhos. Os símbolos que orientam e humanizam. Criou a troca dos presentes. Jesus era homem e foi universalizado. Venceram desertos, montanhas, rios e mares.  Nada os deteria, nem a natureza nem Herodes. Até mesmo Belchior, certamente alquebrado aos setenta.

A sagacidade do mal é imemorial. Herodes tenta iludi-los, para que indicassem o sítio do nascimento do Rei dos Judeus. E matá-lo. Os reinados e o poder, como hoje, eram as mais preciosas pedras, num mundo rústico. Sonham com a armadilha (provavelmente Belchior) e retornam por outro caminho. Os poderosos não precisavam ser enfrentados, podiam ser simplesmente, ludibriados.

O ouro era o mais importante elemento dos alquimistas. Parecelso lhe atribui as maiores virtudes, desde as curativas. A raridade talvez já definisse os valores. O ouro jamais perdeu seus quilates. Rompeu a história triunfalmente. Fez infeliz a África do Sul, nossas Minas Gerais e pôs homens em conflito. Os magos eram clarividentes e buscaram, desde cedo, mostrar o destino humano ao menino de Belém.

O incenso era a emanação inescrutável do espírito. A magia em pó que ainda ressuma dos cérebros dos gênios. Os “insigths” que produziram a ciência, os conhecimentos contemporâneos inimagináveis. Era voltado para perfumar o encontro entre o homem e as divindades. Hoje, a despeito do progresso, alegra somente alguns místicos felizes.

A mirra limpava homens e cadáveres. Resgatava em poucos a essência da ética, que se perdeu. O homem era sujo e continuou sujo, dominado pelos Césares, com exceções que o mundo reverencia.

A mirra do grande povo simples é o sofrimento.  A limpeza dos cadáveres era o anúncio do perfume de rosas da eternidade.

Desse modo ficou delineado, desde a manjedoura, o destino da raça que habita este planeta. Tendemos, pois, a crer na inutilidade do sacrifício do crucificado em prol de seus irmãos. A natureza cruel parece ter saído vitoriosa. Nada mais se observa no cotidiano.

A alquimia, o realismo mágico, o fantástico, em ainda raras manifestações, lutam para recuperar a alvura das almas, neste conturbado e sofrido século, pleno de paradoxos. Os reis, ou sacerdotes, com suas benesses, morreram sob as bombas. Não há caminhos outros senão o de recuperar as primitivas magias da simplicidade. Dessa mudança da consciência humana, ao longo deste século e dos próximos, poderemos recuperar a pureza de Belchior, Gaspar e Baltazar.

Reis que agraciaram um menino simples. Restou o símbolo, porém conspurcado. Políticos erguem nos braços crianças depauperadas; que, como tal, permanecerão, enquanto os votos representam a astúcia de Herodes. Mas ainda devemos crer em sonhos salvadores.

 

Amadeu Roberto Garrido de Paula, é advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.

A foto é de autoria do jornal Diário do Aço.