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“Quem autoriza a cultura do estupro?”

Foram 33 homens estuprando uma menina de 16 anos. O ato filmado, como tudo hoje em dia na nossa sociedade do espetáculo, foi exposto nas redes sociais para escárnio maior da vítima. O crime noticiado calou fundo especialmente nas mulheres que, ao imaginarem a cena abominável, compartilharam da dor, da humilhação, como se o sangramento da genitália da menina violada e exibida pelos criminosos provocasse uma hemorragia subjetiva em toda uma coletividade de mulheres atingidas.

O caso repercutiu mundialmente, provocando perplexidade e indignação. Mas também houve aqueles que se apressaram em justificar o injustificável, buscando na vítima a motivação: “Ela deu lugar, por se relacionar com alguém não confiável”, “se ela estivesse numa igreja ou em casa com o filho de 3 anos, isso não teria acontecido”, e o cantor Lobão, com o seu minicérebro, saiu com essa “o Brasil é o país que produz miniputas”. O pior é que muitos dos que deveriam assegurar a punição dos estupradores seguem essa mesma linha machista de argumentação, legitimando assim a cultura do estupro. O delegado responsável pelo caso perguntou à adolescente: “Você está acostumada a fazer sexo grupal?, o que motivou a advogada a pedir o imediato afastamento dele.

A cultura do estupro deriva da famigerada ideologia patriarcal, de supremacia do homem sobre a mulher. É daí que brota o ato sexual autoritário, desprovido de afeto, expressão da violência por força viril, de homens que se lançam sobre mulheres, não como animais, pois os animais não agem assim, mas como desbravadores que rasgam um campo que não lhes pertence, sem autorização, sem anuência, apenas pelo supremo desejo de dominar, subjugar. Estupro é uma hedionda forma de matar, mesmo quando a vítima não vai a óbito, já que fica a sombra fria e mórbida que marca a mulher para sempre.

Muitos pregam o endurecimento da pena para estupradores, defendem castração química e há os que, descrentes da justiça, realizam com as próprias mãos os linchamentos de acusados de violência sexual. Tudo na linha da vingança que, uma vez saciada, nos aproxima ou nos iguala aos algozes sexuais que estamos castigando. Mas não há caminho melhor que a educação para as relações de gênero para provocar efetiva mudança de mentalidade na nossa sociedade. Infelizmente, grupos arraigados a uma visão obscurantista da Educação e da Cultura impedem que o tema seja incorporado às leis que regem o sistema educacional brasileiro. E, enquanto a ignorância continuar sendo elevada a método de dominação cultural, como diz a filósofa Márcia Tiburi, não faremos nenhum avanço civilizatório no enfrentamento das diversas formas de violência contra a mulher. Educação para as relações de gênero significa formar na coletividade o cultivo do respeito, da compreensão de que não deve haver opressões entre homens e mulheres ou diferenças marcadas pelo machismo no ensino das meninas e dos meninos, pois todos devem usufruir plenamente do direito à liberdade, a sua integridade física e psicológica e à vida.

Não é a saia, não é a miniblusa, não é nem mesmo a nudez de uma mulher que desperta no homem o perverso instinto do estuprador. Estupro é um crime, cujo único culpado é o agressor. Portanto, vale valorizar a mensagem que a adolescente vitimada postou em sua rede social: “Parem de me culpar quem errou e procurou não fui eu!! A culpa nunca é da vítima. Ninguém culpa quem foi assaltado porque está na rua com o celular”. Responsabilizar a vítima é fácil. Quero ver ousar construir uma nova forma de pensar e agir para que ninguém sofra violência pelo fato de ser mulher.

Por Olívia Santana Secretária Estadual de Políticas para as Mulheres – Bahia.

Nota da redação: o que é necessário acrescentar ao texto é que em Rui Barbosa, por exemplo, interior dessa mesma Bahia onde Olívia Santana é Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres, em 2012, integrantes da banda de pagode New Hit, um grupo musical composto por oito elementos realizou a mesma façanha desses 33. Porém, envolvendo duas menores fascinadas pelo delírio das luzes coloridas dos palcos. A juíza promulgou a sentença condenando os rapazes a onze anos de prisão em regime fechado. Nenhum deles esá preso. Um pouco antes desse fato terrível, a juíza Clarice Maria de Andrade determinou a prisão de uma menina de 15 anos em uma cela na cadeia de Abaetetuba, no interior do Pará, juntamente com mais de 20 homens durante 26 dias. Segundo o Conselho Tutelar do município e membros da comissão de direitos humanos da OAB do Pará, a menor, detida por furto, foi estuprada durante o tempo em que permaneceu na cadeia. Essa juíza acabou sendo promovida…

É algo impensável no mundo moderno, além de um grave ataque ao sistema constitucional brasileiro. São episódios gravíssimo que estão sendo tratados por discussão na Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB.