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Responsabilidade civil das entidades religiosas em tempo de COVID-19

Fonte Jusbrasil

Publicado por Carlos Oliveira

O Brasil, neste momento, ultrapassou a marca de 36.000 óbitos causado pelo Covid-19 e ultrapassou a casa do meio milhão de casos confirmados de infectados pela doença. Não é por menos que vivemos um período de “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional”, conforme Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020.

Preliminarmente, esse texto não é político, não defende nenhuma doutrina ou discurso de algum ministro. Ele é jurídico, analisado sob a ótica da responsabilidade jurídica sobre a possibilidade de abertura dos templos para que os fiéis possam assistir aos seus cultos e seus reflexos no mundo jurídico.

É da sabença corrente que a Constituição Federal defenda a liberdade de culto, quando prevê no inciso VI, do art. 5º: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

O que se questiona é se a abertura dos templos está abarcada pela liberdade de culto em tempo de pandemia e se estiver, até que ponto a “igreja” (no sentido amplo da palavra) poderia ser responsabilizada civilmente em caso de infecção ou morte de fiéis.

Lembremos que a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020 quando define quarentena, cita separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes.

Decisão do STF afirmou que cabe aos Estados e Municípios decidirem sobre a abertura de atividades consideradas essenciais.

Em Vitória da Conquista, o Decreto Municipal nº 20.338, de 10 de junho flexibilizou reabertura gradual da economia fluminense, inclusive para os templos religiosos, conforme se verifica pela leitura do art. 8º, que assim reza: “FICAM AUTORIZADAS as atividades de organizações religiosas, a partir de 06 de junho de 2020, que deverão observar os protocolos definidos pelas autoridades sanitárias”.

Só este fato exime a responsabilidade das entidades religiosas? Não, pois se fosse assim um mercado, por exemplo, nunca responderia por responsabilidade civil, já que possuem autorização para funcionamento e, neste momento, é considerado atividade essencial.

No mesmo artigo, o legislador ratifica que além dos protocolos de outras autoridades sanitárias, as organizações religiosas devem zelar por: I. Higienização das mãos; II. Ventilação adequada; III. Manter afastadas as pessoas com resfriado e gripe; IV. Uso de máscaras faciais e distanciamento de um metro.

Dois pontos devem ser observados quando: 1. O Estado ou município não autoriza o funcionamento dos templos; 2. O entes públicos autorizam o funcionamento.

Vale ressaltar que o Estado emana orientação e que cada prefeitura tem a competência para legislar sobre as regras de flexibilização de acordo com a realidade local.

Caso não haja autorização e a entidade religiosa desrespeitar a decisão governamental, independente da penalidade administrativa, responderá pelos danos que a desobediência causou, inclusive aos membros de per si.

Caso autorizada e não observe as recomendações contidas para impedir o risco de contaminação, estará agindo com negligência e poderá ser acionada pelo participante prejudicado, a teor do art. § 4º da Lei 13.979.

Quando se fala de reparação por dano, há uma série de pressupostos que precisam ser analisados: 1) Ação, Omissão do causador do dano; b) Danos materiais e imateriais; c) Nexo causal ou de causalidade.

Como o presente texto trata de responsabilidade das “igrejas” ao realizarem seus cultos em temo de pandemia, para que haja a responsabilidade faz-se necessário que os líderes das entidades religiosas hajam por ação, como no caso de mandarem os fiéis se abraçarem ou apertarem as mãos uns dos outros, ou por omissão, quando, por exemplo, não respeitem o distanciamento dos fiéis.

Se da conduta ativa ou passiva dos líderes houver um dano, por exemplo, a contaminação causando a morte dos fieis ou o abalo emocional pela perda de parentes ou pela infecção, estará evidenciado o dano.

O terceiro item é o mais difícil de se comprovar: a relação entre o dano e o que o provocou. É o caso do famigerado nexo causal ou de causalidade. O interessado vai ter que provar que foi infectado na entidade por conta da ação ou omissão dos seus dirigentes.

Mas ainda que tenha dúvida do nexo de causalidade, isso não impede de o prejudicado ou seu representante ajuizar ação contra a entidade, haja vista que o direito de ação também está previsto na Constituição Federal.

O que se vê nesta discussão é o confronto de direitos: o da liberdade de culto e reunião dos membros da entidades religiosas com o direito público das pessoas terem preservada sua saúde, haja vista que a plena saúde garante a vida, maior dos bens jurídicos tutelados.

Aliás, a teor do art. 196 da CRFB, “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos (…)”.

Assim sendo, pode sim a igreja responder pelos danos causados aos seus membros e aqueles que a visitam desde que haja correlação plena entre o dano suportado, tendo como origem a ação ou omissão dos líderes religiosos.

Aliás, o código penal no art. 268, considera crime o ato de “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.

No processo de reparação civil são as pessoas previstas no estatuto da organização religiosa que respondem por elas ao praticarem atos ilícitos. Todavia, se o ato for lícito, “Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”, conforme reza o art. 47 do Código Civil.

Por isso as “igrejas” devem analisar bem sua decisão de abrirem suas portas para a realização de cultos, pois devem preocupar-se com a proteção da alma, mas não abrindo mão da incolumidade do corpo.