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Crônica da semana: “Como erámos felizes antes de nos conhecer!”

Foto de Yuyeung Lau en Unsplash

Por Nilson Lattari*

De repente, essa frase veio à minha cabeça quando pensava coisas sobre a nossa situação no mundo, assistindo às notícias da guerra na Ucrânia, pelos noticiários da TV. E me surpreendi com alguns repórteres europeus e americanos mostrando indignação quanto ao conflito ocorrer na Europa. Afinal, alguns, perplexos, relatavam o que acontecia no mundo civilizado, e que a Europa não seria um lugar qualquer e ele não caberia ali. E a nefasta comparação com o mesmo que sucedeu no Iraque, Afeganistão (bem perto dali, inclusive) e ocorre, constantemente, na África.

Houve um tempo que imaginávamos os outros povos apenas como o excêntrico, o diferente, culturas variadas e os imaginávamos vivendo de acordo com nossas informações parcas acerca dos jogos de poder envolvidos, suas tradições, suas crenças e outras coisas. Podíamos viajar pelo mundo e conhecer outros povos, sendo que aquelas diferenças ficavam na interpretação e no preconceito adquiridos por anos de informações de terceiros.

O mundo se dividia entre os bons e os maus, os esquisitos e os normais, dependendo da perspectiva de onde se estava. E os líderes de um mundo esquecido brigavam entre si, e a população no exterior, em geral, ignorava o que de fato acontecia. A ignorância nos tornava felizes. Para os brasileiros, por exemplo, o Brasil era a terra onde todos seriam recebidos de braços abertos, um povo acolhedor, amigo e essas coisas. E acreditávamos nisso.

Os tempos mudaram e nós não mudamos, apenas somos o que, realmente, sempre fomos, aqui e em qualquer lugar do mundo. Alguns se revoltam, lutam, vencem ou perdem, porque lutar contra o mais forte, e que têm aliados entre ambiciosos, é lutar uma luta perdida. Olhando os noticiários sobre qualquer coisa no mundo, é mais fácil dizer que tudo é mentira, e teremos uma grande probabilidade de estar certos.

Hoje nos conhecemos, porque os perfis expostos mostram, a todo momento, o que somos. Temos os conservadores que não são conservadores, e não fazem a mínima ideia do que seja isso. Temos os progressistas que “fogem” para o exterior para evitar perseguições e, no final das contas, vão curtir um período na Europa ou não. As informações são falsas, os discursos são falsos e nos perguntamos onde estará a verdade.

A felicidade que sentíamos era sobre o futuro esperado, onde as coisas se resolveriam e, apenas, passávamos por um período claro de turbulência até que as coisas se ajeitassem.

Éramos felizes com essa espera e começamos a nos conhecer de fato.

Dá para ser feliz conhecendo a verdade? Conhecendo a verdade e nos tornando infelizes por que o sonho acaba?

Nós e o mundo somos um casamento monótono, que não tem coragem para se desfazer. Como um casal que se junta, traça sonhos e se descobre no futuro que é, completamente, incompatível. E os dois deverão viver assim até que a morte os separe, ou leve a ambos, ou sobrevivam praticando traições e vivendo tragédias.

Muitos são saudosistas do passado, como eu mesmo me sinto. Mas a pergunta sempre fica: faríamos diferente ou tentaríamos ser os mesmos, com uma nova estratégia, para impor nossas vontades?

Realmente, não dá para ser feliz quando os parceiros, realmente, se conhecem.

*Nilson Lattari. Graduado em Literatura pela UERJ e especialização em Estudos Literários pela UFJF. Fui primeiro colocado em crônicas no Prêmio UFF de Literatura, 2011 e 2014, e terceiro colocado em contos pelo mesmo prêmio em 2009. Primeiro colocado em crônicas prêmio Darcy Ribeiro – Ribeirão Preto, 2014. Finalista em livro de contos Prêmio SESC de Literatura 2013, finalista em romance Prêmio Rio de Literatura, 2016, além de várias menções honrosas em contos, crônicas e poesias.