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Crônica da semana: “O segredo é revolucionário”

Foto de M. Zonderng in Unsplash

Por Nilson Lattari*

O lobo quando nos olha do alto da colina parece que nos vê além de uma cortina imaginária, como se de uma janela observasse todos os nossos movimentos. É na sua calma, na sua postura de domínio que é capaz de revolucionar nossos sentidos e, por dentro, apesar da distância, nos fazer sentir ameaçados.

Um olhar, mais do que uma arma que aponta, é mais poderoso do que o fazedor de grandes discursos para uma plateia. É um ator que não precisa de aplausos, e tem a certeza de dominar um palco.

Muitas vezes o revolucionário está no silêncio, está no segredo que não queremos descobrir. Assim como o olhar do lobo que parece solitário, seus pequenos movimentos são capazes de desvendar nossos segredos e nossos medos tão bem guardados.

Revolucionar é revolvê-los, é retirar a cortina que os esconde dentro de nós mesmos. Revolucionar é convencer de que aquilo que não conhecemos e nos é misterioso está bem ali, olhando para nós, à espera do ataque de discernimento que vai nos desnudar.

Revolucionar é abrir para o mundo o que construímos dentro de nós em segredo. O olhar do lobo está dentro de nós mesmos, sempre à espreita, pronto a criar o movimento que vai mexer com nossos eus, de retirar os preconceitos que criamos como um muro para o conhecimento.

Abrir nossos segredos para nós mesmos é o momento em que o lobo se levanta e caminha vagarosamente em busca do ar, do mar aberto, do horizonte que se abre diante da descoberta. O lobo solitário é mais livre do que aquele que se cerca de conhecidos e se senta na mesa confortável do ambiente refinado e foge do mais rústico.

Sempre somos aqueles que na solidão se confronta com os segredos, com o lobo solitário que nos observa na tranquilidade do pequeno monte próximo. Ele não tem problemas de estar ali, sempre esteve, porque aprendeu a conviver com o ambiente, indiferente ao que os outros animais pensem. Ele é dominador, porque os segredos têm essa virtude.

Segredos não precisam de plateia para viver o drama, ou a comédia das nossas vidas, algumas vezes patéticas, outras vezes sem vida, sem charme, descolorida. Segredos não precisam de plateia, assim como os lobos solitários, eles se levantam, um dia, ignoram nossas vontades e medos e caminham, tranquilamente, em direção a sua alcateia.

*Nilson Lattari. Graduado em Literatura pela UERJ e especialização em Estudos Literários pela UFJF. Fui primeiro colocado em crônicas no Prêmio UFF de Literatura, 2011 e 2014, e terceiro colocado em contos pelo mesmo prêmio em 2009. Primeiro colocado em crônicas prêmio Darcy Ribeiro – Ribeirão Preto, 2014. Finalista em livro de contos Prêmio SESC de Literatura 2013, finalista em romance Prêmio Rio de Literatura, 2016, além de várias menções honrosas em contos, crônicas e poesias.