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Ministro Ayres Brito confirma julgamento do mensalão

Num instante em que o réu José Dirceu conclama estudantes para travar a “batalha” do mensalão “nas ruas” e o secretário de Comunicação do PT André Vargas acusa o STF de ceder a “pressões”, o ministro Carlos Ayres Britto achega-se à boca do palco para chamar o feito à ordem.

Presidente do STF e autor do cronograma que marcou o início do julgamento para 1o de agosto, Ayres Britto analisa o processo sob dois ângulos. Por um lado, é atípico, “seja pelo número de denunciados, pela quantidade e gravidade das acusações, pelo número de testemunhas — são 600 — e pela aposentadoria iminente de dois ministros.”

Por outro, “não é um processo diferenciado. É igual a tantos outros, por mais intensa que seja essa ambiência política. O julgamento em si tem de ser técnico, imparcial, objetivo e em cima da prova dos autos.” Pressões? “Não funcionam nessa Casa”, diz o ministro. “Somos vacinados contra pressões, venham de onde vierem.”

Há risco de prescrição dos crimes? “Em tese, nenhum crime está prescrito, porque ele só surge da pena em concreto. Se aplicar a pena mínima, de fato alguns crimes já estarão prescritos. Quando você é condenado por mais de um crime, isso dificulta a pena mínima. Então é bom aguardar.”

Ayres Britto falou aos repórteres Carolina Bahia e Klécio Santos. A entrevista, disponível aqui, vai reproduzida abaixo. A certa altura, o ministro tranquiliza, por assim dizer, os réus. Mesmo sob risco de condenação, nenhum deles precisa fugir do plenário do STF na hora do julgamento: “Ninguém sairá algemado, até porque temos uma súmula vinculante sobre uso de algema. Não trabalho com essa ideia de espetacularização do processo.”

— O julgamento do mensalão irá ocorrer em pleno período eleitoral. Isso deve gerar muita tensão? Eu vinha defendendo que o ideal seria julgar antes do período eleitoral, até porque em época de eleição teremos três ministros deslocados para o TSE. Isso não foi possível.

— Agosto será o último mês do ministro Cezar Peluso no STF. É possível julgar o processo antes da aposentadoria dele? Sim. E a presença dele é muito importante, devido aos seus altíssimos conhecimentos processuais.

— Mas vocês conseguem encerrar o julgamento em agosto ou o ministro Peluso irá adiantar o voto? Não. Trabalho com a possibilidade de o processo terminar antes da aposentadoria. Se não terminar, em tese o processo não é suspenso pelo fato de um ministro se aposentar ou não poder participar. O processo prossegue. Somos 11, julgaríamos com 10.

— Até que ponto esse clima de pressão em torno do julgamento fez com que vocês fechassem esse cronograma? Quem propôs esse cronograma fui eu. Como presidente, me cabia tomar a dianteira, porque o processo é singular, seja pelo número de denunciados, pela quantidade e gravidade das acusações, pelo numero de testemunhas — são 600 — e pela aposentadoria iminente de dois ministros. Tudo isso evidencia a peculiaridade do processo, demandando uma atenção especial. Agora, do ponto de vista da subjetividade dos julgadores, não é um processo diferenciado. É igual a tantos outros, por mais intensa que seja essa ambiência política. O julgamento em si tem de ser técnico, imparcial, objetivo e em cima da prova dos autos. Pressões não funcionam nessa casa. Somos vacinados contra pressões, venham de onde vierem.

— O senhor já tem o seu voto pronto? Não. E acho que ninguém tem. Estou em condições de votar, e praticamente todos os outros também. Mas não tenho o voto pronto porque preciso ouvir as sustentações orais, ver as alegações, o voto do relator e do revisor. Ainda tenho alguns estudos mais aprofundados a fazer. Mas não tenho predisposição para condenar, nem para absolver.

— Há possibilidade de os crimes prescreverem? Em tese, nenhum crime está prescrito, porque ele só surge da pena em concreto. Se aplicar a pena mínima, de fato alguns crimes já estarão prescritos. Quando você é condenado por mais de um crime, isso dificulta a pena mínima. Então é bom aguardar.

— Se condenado, alguém pode sair algemado do plenário? Ninguém sairá algemado, até porque temos uma súmula vinculante sobre uso de algema. Não trabalho com essa ideia de espetacularização do processo. Ele será julgado rigorosamente sobre coordenadas técnicas. Já definimos que defensores gerais estarão aqui para suprir a falta ou a desistência eventual de advogados.

— O senhor disse que teria uma gestão curta, mas intensa. Nos bastidores da Corte, começam a surgir críticas de que o senhor deseja votar um processo de repercussão por semana. Essa crítica não tem nenhuma procedência. A minha pauta é a minha cara, a minha pregação. Não estou jogando para a plateia. E essa pauta eu não faço de modo unilateral, nem tenho recebido nenhuma reclamação. Não me sinto contestado, muito menos desprestigiado. Os processos que coloquei para julgamento nos primeiros 30 dias foram muito importantes e de impacto social na perspectiva de renovação da nossa cultura.

— O ministro Gilmar Mendes se envolveu em uma grande polêmica há poucos dias. Antes disso, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso haviam trocado farpas pela imprensa. O Supremo não deveria ser mais discreto? Os ministros têm infinitamente mais virtudes do que defeitos. E têm servido muito bem ao país na produção de decisões que estão ajudando para melhorar a própria cultura brasileira. Basta lembrar a Lei da Ficha Limpa, a Lei Maria da Penha, a igualdade de direito entre casais heteroafetivos e parceiros homoafetivos, a liberação de pesquisas com células-tronco. O Supremo não tem faltado à nação. O que se chama de discrição maior ou menor não tem nada a ver com caráter, devoção à causa pública ou competência profissional. Tem a ver com temperamento.

— O senhor acha que alguém errou no mal explicado encontro entre o ministro Gilmar Mendes, o ex-presidente Lula e o ex-ministro Nelson Jobim? Foram três personagens. Estava ouvindo a explicação de um deles. E sempre me dou um tempo para ouvir também os demais — não que eu pedisse a Jobim ou a Lula que falassem. Simplesmente aguardei. O episódio se esvaiu por si mesmo, sem interferir em nada no funcionamento do Supremo.

— O ministro Gilmar Mendes não demorou demais a tornar público o encontro com Lula? Ele é quem era o juiz do próprio timing. O timing é dele. Quem sou eu para dizer que ele deveria ter feito isso ou aquilo? Ele não me pediu nenhuma providência. Contou o fato. O ministro é reconhecidamente — ou era — amigo de Lula, amigo de Jobim.

— O senhor tem se encontrado com o ex-presidente Lula? Devo ter me encontrado com o presidente Lula, nesses nove anos, em torno de umas quatro vezes. Sempre em reuniões oficiais, encontros protocolares. Em suma, nem eu frequento Lula, nem Lula me frequenta.

— Ainda há resistência no atendimento de Lei de Acesso à Informação. O senhor é a favor da divulgação dos contracheques? Já aprovamos aqui, a proposta foi minha. O mérito não é meu, é dos ministros, que aprovaram. Aprovamos aqui e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

— Houve ganhos ou prejuízos para o Judiciário com a polêmica passagem da ministra Eliana Calmon pelo CNJ? A população, e às vezes os jornalistas, têm uma visão equivocada do que seja o CNJ. Todas as vezes em que ele decide apenar um juiz, é o Judiciário cortando na sua própria carne. O Judiciário está na vanguarda dos acontecimentos. Foi ele o primeiro poder que proibiu o nepotismo.

— Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas revelou que a maioria dos brasileiros não confia no Judiciário. Como reverter essa sensação? Se você fizer a pesquisa, o povo vai dizer: a maioria não confia no Judiciário, mas confia no CNJ. Só que o CNJ é o Judiciário. Ou seja, está havendo uma compreensão equivocada da natureza jurídica do CNJ. Dos 15 membros, nove são do Judiciário, entre eles o presidente e o corregedor.

— A ministra Rosa Weber, a mais nova integrante do STF, foi submetida a uma dura sabatina no Senado, num dos questionamentos mais longos dos últimos tempos. O senhor concorda com o atual método de escolha dos ministros, por indicação presidencial e sabatina no Senado? Em linhas gerais, concordo. É um processo que congrega três poderes. O Executivo indica, o Legislativo faz o escrutínio e o Supremo dá posse. A Constituição exige dois pré-requisitos fundamentais: reputação ilibada e saber jurídico notável. Se eles estão sendo observados, o processo é bom. E esses pré-requisitos são transformados em exercício, desempenho. Não assisti à sabatina, mas soube que ela foi tratada com muita severidade. No entanto, em pouco tempo ela mostrou que faz jus à nomeação e que o Poder Judiciário ganhou uma excepcional ministra.

— O senhor lamenta que tenha de sair do Supremo? É a favor da proposta que revoga a aposentadoria compulsória aos 70 anos? Não tenho legitimidade para opinar sobre esse isso porque, teoricamente, eu seria parte interessada. Estou muito satisfeito pelo tempo de presidência e pelos nove anos de Supremo. Se depender de mim, não estico nenhum dia sequer.

— E depois o senhor vai se dedicar a quê? Aulas, livros. Tenho um livro de poemas que não saiu porque os escritores são perfeccionistas. Você fica lendo, relendo. E chega um momento em que você tem de se livrar do livro. E ainda tenho um livro sobre direito que pretende editar na minha presidência. Texto: Josias de Souza/Folha.