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“Uma assinatura”: Crônica da semana, por Nilson Lattari

Foto de Cytonn Photography na Unsplash

          Era fascinante ver aquela caneta deslizar com suavidade no papel. Um pássaro livre preenchendo de azul o espaço virgem, deixando no seu rastro final um desenho inconfundível, como o de uma marca que podia ser reconhecida de longe. E, fatalmente, os dedos apontando: É ela!

          Eu acompanhava meu pai em seu trabalho e, deitado no chão, enchendo de rabiscos os papéis em volta, o imaginava como um competidor, ou mais além, alguém que também se distraía a desenhar pássaros, casas, árvores que assumiam os mais variados desenhos e contornos.

          Quando subi na cadeira, vendo-o absorto em seus pensamentos e debruçado na escrivaninha, meus olhos buscaram compreender o que ele tanto desenhava.

          Mas quando a minha curiosidade pôde vislumbrar a mesa apinhada de papéis e meu pai, após ler seu texto com o rosto e o olhar completamente subordinados aos óculos, finalmente se apossar de uma caneta Parker verde-esmeralda, com entremeados prateados, deslizando-a, impetuosamente, em uma carga vitoriosa sobre o final do papel, eu descobri a mágica fenomenal de sua assinatura.

          Era uma sucessão de rabiscos que perfeitamente se encadeavam, assumiam louvores de subida e gloriosos borrões abaixo. Formavam, para mim, um dos mais curiosos desenhos que tinha visto: ele era aquela assinatura. E tão somente poderia pertencer a ele. Figura elegante quando saía para ir ao fórum ou com o suave cruzar de pernas quando ouvia um cliente, demonstrando o interesse pela causa. E sóbria quando ajeitava o cabelo teimoso que caía, como a demonstrar que cada coisa deve estar sempre em seu lugar.

          Ele se levantava às doze horas para o almoço e largava seus papéis (soube depois que era um advogado), e eu me fascinava em vislumbrar a sua assinatura, como ele me explicou quando perguntei que desenho bonito era aquele que fazia ao final de cada papel.

          Disse-me que eu poderia ter a minha um dia.

          Desde então, passei a procurar fazer a minha assinatura. E a cada garrancho eu a exibia como se buscasse a sua aprovação. Ele, simplesmente, me dizia:

          – Somente você pode dizer se essa será a sua assinatura.

          Ela nunca me satisfazia, e atribuía assim apenas ao fato de a assinatura ser parte da caneta Parker, o meu primeiro desejo.

          Finalmente ela foi ter às minhas mãos. Mas o sonho foi desfeito porque aquela caneta mágica não me obedecia. Creio (e isso é apenas uma crença) que aquela caneta mágica havia feito a sua última com meu pai. Pertencia a ele.

          Acho a assinatura uma marca irresgatável, por isso nenhuma é igual à outra, pertence a cada um, inimitável. Somente os falsificadores podem repeti-la, e repetem porque são falsos, perpetram, antes de um crime, uma barbaridade.

          Quando advogo (influência do velho), vislumbro algumas assinaturas perfeitas, belas. No entanto, não são posses de pessoas assim tão dignas. São arremedos. Gosto da minha, mas o que mais me orgulha é que ainda no final de cada um dos papéis que assino, as pessoas notam a inconfundível marca azul deslizando no papel da “nossa” caneta Parker.