Collor: absolvição serve para reescrever a história do Brasil
O ex-presidente da República e atual senador (PTB-AL) Fernando Collor de Mello, foto, disse hoje (28) que sua absolvição pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no último processo referente ao período em que governou o Brasil, servirá para “reescrever a história” do país.
“Essa nova absolvição possui, em especial, o mérito e a virtude de passar a limpo o país, como disse, no que tange ao meu período à frente da Presidência da República. Um período, diga-se, dos mais importantes de nossa República e do qual eu me orgulho profundamente, na medida em que consolidou o processo de redemocratização política por meio da primeira eleição direta para presidente da República, após 25 anos de governo sob um estado de exceção”, disse o ex-presidente em discurso na tribuna do Senado.
Collor reclamou para si o mérito de ter mudado os fundamentos da economia, lançando as primeiras bases para “a estabilidade que o país vive atualmente”. Para ele, agora será possível que toda uma geração de jovens conheça “a verdade” a respeito do período em que governou o país, sem estudarem com base em “livros tendenciosos por versões falseadas”.
O ex-presidente ressaltou ainda os anos em que disse ver sob “angústia e padecimento” por causa das acusações e da lentidão da Justiça em concluir os processos contra ele. E acusou o Ministério Público (MP) de ter incorrido em crime de falsidade ideológica ao alterar a transcrição de depoimentos para favorecer as acusações contra ele.
“Não por outro motivo, venho salientando o papel desenfreado e atentatório que determinado grupo de procuradores da República vêm exercendo e que só faz deslustrar a importância institucional do Ministério Público, principalmente como um dos pilares básicos do Estado democrático de direito”, disse.
Além da Procuradoria-Geral da República, Collor destinou críticas ainda à imprensa, a quem acusou de tratar com “malevolência” a divulgação de sua absolvição, e ao presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, que votou pela sua absolvição por falta de provas.
“O sr. presidente da Suprema Corte do país tem uma carência de liturgia para o exercício de seu cargo. Mais grave do que se confundir ao declarar o resultado do julgamento, chegando a dizer que não havia como proclamá-lo e até dele desdenhar com descaso e falta de postura, foi a tentativa do ministro Joaquim Barbosa em resumir, de forma desmerecedora e embaraçosa, todo o enredo da ação e do julgamento, deturpando completamente o parecer da ministra relatora [Cármem Lúcia] e reinterpretando desidiosa e deformadamente os fatos”, acusou Collor.
Collor cobrou reparações pelos prejuízos que teve ao longo dos anos em que respondeu aos processos referentes a acusações de práticas ilícitas durante os dois anos que governou o país, entre elas a de corrupção. “Depois de mais de duas décadas de expectativas e inquietações pelas injustiças a mim cometidas, cabe agora perguntar quem poderá me devolver tudo aquilo que perdi? Quem? A começar pelo meu mandato presidencial e o compromisso público que assumi; a tranquilidade perdida por anos a fio, assim como a retratação proporcional que todo ser humano merece ao ser prejulgado sem julgamento, injustiçado sem culpa, vitimado sem dolo, e responsabilizado por atos e fatos inventados e versões forjadas. Quem pagará pela difamação insana, pelo intuito desenfreado, pela humilhação provocada, pelas provações impostas ou mesmo pelas palavras intolerantemente pronunciadas, e, mais ainda, inoportunamente escritas?”, questionou o ex-presidente.
Fernando Collor: “Estou absolvido de todas as acusações!”
Todavia, complementou o ex-presidente da República, depois de mais de duas décadas de expectativas e inquietações pelas injustiças a mim cometidas, cabe agora perguntar: quem poderá me devolver tudo aquilo que perdi? A começar pelo meu mandato presidencial e o compromisso público que assumi; a tranquilidade perdida por anos a fio Quem pagará pela difamação insana, pelo insulto desenfreado, pela humilhação provocada, pelas provações impostas, ou mesmo pelas palavras intolerantemente pronunciadas e, mais ainda, inoportunamente escritas?, indagou o senador.
Crítica aos algozes
Entre seus algozes, Collor referiu-se ao procurador da República que promoveu a denúncia contra ele e ao Ministério Público, que a recebeu, criticando o grave e tenebroso modus operandi de ambos, ao utilizar, segundo consta no relatório do processo, transcrições deturpadas de depoimentos colhidos durante as investigações.
Isso é ou não é má fé? Em verdade, isso chega a caracterizar crime de falsidade ideológica, um dolo disfarçado. E a julgar por este fato, ao final do processo e pelo seu resultado, o que restou da Ação Penal 465 é que, se houve um crime, se houve um fato delituoso, se houve uma conduta ilícita, estes foram cometidos pelo próprio denunciante, o Ministério Público, disse ele, respaldando-se na citação do ministro do STF Luiz Fux, que classificou a prova apresentada pela denúncia como transcrita de forma infiel (referindo-se aos depoimentos).
Collor também citou os meios de comunicação que tentaram, maldosamente, uma semana antes de meu julgamento, vincular-me a um esquema criminoso, cuja investigação está em curso pela Polícia Federal, referindo-se, nominalmente, à revista Veja, sempre ela. E evocou o Código de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas que diz, em seu artigo 4º: o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, e deve pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na sua correta divulgação.
Criticou também a tentativa do ministro Joaquim Barbosa que, segundo ele, teria, após votar a favor da sua absolvição, tentar desmerecer o resultado do julgamento. Isto não é crível nem prudente a um presidente do Supremo Tribunal Federal, ainda mais se nada do que disse reflete a verdade do juízo. E referiu-se à morosidade da Justiça, dizendo que, para um denunciado injustamente, a demora em se julgar torna-se um martírio, uma perversidade sem igual da própria Justiça.
Histórico
Esta foi a primeira vez que Fernando Collor manifestou-se publicamente sobre o resultado do julgamento da Ação Penal 465, ocorrida no dia 24 deste mês. E a exemplo do que fez em 15 de março de 2007, seu primeiro discurso, ao retomar à vida pública, após o impeachment, assumindo o mandato de senador da República, ele rememorou os fatos e suas consequências em sua vida pública e privada.
Não é fácil volver os olhos ao passado e reviver, em toda a sua extensão, a tortura, a angústia e o sofrimento de quem, agredido meses a fio, teve de suportar as agruras de acusações infundadas e a condenação antes mesmo de qualquer julgamento. E lamentou que o resultado do julgamento não tenha sido reproduzido pelos meios na mesma proporção das notícias que o condenaram ou com a mesma fidedignidade dos fatos.
Na sua avaliação, o novo julgamento a que foi submetido, bem como a nova absolvição conquistada, trazem, em si, o mérito e a virtude de passar a limpo ou reescrever a história do país, no que tange ao período em que esteve à frente da Presidência da República, período que, lembrou ele, consolidou o processo de redemocratização política, por meio da primeira eleição direta para Presidente da República, após 25 anos de governo sob um estado de exceção.
E destacou que foi nesse período em que foram lançados os fundamentos macroeconômicos e estruturantes da administração, e promovidas a completa abertura comercial e a quebra de monopólios de mercado. Entre outros, foram componentes sem os quais seria impossível alcançarmos a estabilização econômica do Brasil, destacou Collor.
Ele considera que a decisão do Supremo permitirá, mais do que o resgate da justiça e da imagem de um homem público, a reflexão da sociedade em geral sobre a verdade dos fatos e, em particular, de uma geração de jovens que tão somente ouviram inverdades ou estudaram em livros tendenciosos por versões falseadas.
Collor destacou a importância da unanimidade dos votos (8 x 0) que o absolveram no julgamento do STF, de todas e últimas acusações a ele impostas. E explicou que, mesmo na votação por 5 a 3, relacionada a crimes prescritos, os três votos não foram contrários à sua absolvição, mas sim, fruto do debate em torno da tese de absolvição no mérito, ou da preliminar de prescrição daqueles crimes. Ou seja, não houve, nas duas votações, nenhum voto pela minha condenação em relação aos três crimes de que me acusava o Ministério Público.
Visivelmente emocionado, o senador repetiu a citação da ministra Cármen Lúcia, relatora do processo, na qual ela diz que esse mesmo réu foi sujeito de 14 inquéritos neste Supremo Tribunal Federal, 8 petições criminais, 4 ações penais e mais duas dúzias de Habeas Corpus, e não foi condenado em nenhuma delas, por falta de provas.