Novo Olhar oferece perspectivas a jovens que cumprem medidas socioeducativas
Novo Olhar: serviço oferece novas perspectivas a jovens que cumprem medidas socioeducativas
Coordenado pela Prefeitura, o Novo Olhar executa medidas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade
“Tem gente que te vê na rua e já te olha de outro jeito porque você está com um visual diferente. Aqui, não. As pessoas te tratam como uma pessoa normal, com carinho e cuidado. (…) A gente muda, entendeu? As pessoas vão tratando a gente com educação e a gente reflete. Eu mesmo refleti bastante, e, através disto aqui, estou virando outra pessoa”
A confidência acima foi feita por um adolescente* que há sete meses cumpre medida socioeducativa no Novo Olhar, serviço coordenado pela Prefeitura de Vitória da Conquista, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Em situação semelhante à dele, atualmente há cerca de outros 160. As idades variam dos 12 aos 21 anos incompletos, sendo que a maioria oscila na faixa entre os 15 e os 17. Suas origens e aparências são tão diversas quanto as circunstâncias que os levaram a estar ali. No entanto, possuem uma característica em comum: cometeram algum tipo de ato infracional antes de completarem 18 anos. É esse o motivo pelo qual a Vara da Infância e da Juventude os encaminhou ao Novo Olhar, por meio de decisão que também envolveu o Ministério Público.
O serviço oferece duas formas de medidas socioeducativas em meio aberto, estipuladas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente: a liberdade assistida, que pode durar até três anos, e a prestação de serviços à comunidade, cuja duração limita-se a um período máximo de seis meses. A maioria dos educandos cumpre o primeiro tipo de medida, embora existam casos em que ambas são acumuladas. “É a resposta do Estado ao ato infracional cometido pelo adolescente”, explica o coordenador do Novo Olhar, Ernesto Dantas.
Antes de determinar o cumprimento da medida socioeducativa em meio aberto, o Juizado leva em consideração uma série de elementos que vão além do ato infracional em si. “O juiz avalia o ato infracional, mas também as condições sociais e familiares nas quais o adolescente está envolvido no momento”, diz Dantas. A medida em aberto é aplicada quando se chega ao entendimento de que ela será mais benéfica para a recuperação do jovem envolvido. “Após a apuração, o juiz percebe que é possível o menino continuar em liberdade, pois há grande possibilidade de superação da vivência infracional dele”, registra o coordenador. Por “superação da vivência infracional”, leia-se o conteúdo do depoimento acima, no qual o jovem ouvido considera estar, ele mesmo, “virando outra pessoa”.
“Tinha muito tempo que eu não conversava com ninguém, nem com a minha família. Quando cheguei aqui, pude conversar com a psicóloga e desabafar. Eu me senti livre. Antes, eu estava preso, sem conversar nem desabafar com ninguém”
Assim que são encaminhados ao Novo Olhar, todos os educandos seguem o mesmo procedimento, embora de acordo com suas características particulares. Inicialmente, passam por um acolhimento junto à coordenação do serviço. Em seguida, são encaminhados a atendimentos nas áreas de direito, pedagogia, serviço social e psicologia. A programação inclui ainda os chamados “grupos operativos”, que desenvolvem atividades com os educandos quinzenalmente. Foi um desses atendimentos individuais – especificamente de psicologia – que se revelou “libertador” para o jovem autor do depoimento acima, que está no Novo Olhar há quatro meses.
Além desses atendimentos, os educandos também são observados de perto pela equipe do Novo Olhar em seu cotidiano. O objetivo é verificar se as medidas socioeducativas estão sendo cumpridas da forma como foram estabelecidas pela Vara da Infância e da Juventude. “Fazemos reuniões no próprio serviço, com os familiares, vamos à casa da família e também à escola, para cobrar relatórios escolares e verificar o comportamento do educando”, esclarece Dantas.
A aplicação das medidas socioeducativas se traduz no cumprimento das metas reunidas no Plano Individual de Atendimento. Esse documento individual, elaborado no início de cada atendimento e acompanhado simultaneamente pelo juiz responsável pela Vara da Infância e da Juventude, contém tudo o que precisa ser alcançado pelo educando, durante o tempo que ele permanecer no serviço. “Assim que conclui o plano individual, ele conclui a medida socioeducativa”, informa o coordenador.
“Eu não era muito de sentar para conversar com ele [o pai]. (…) Agora, todo final de semana vou para a casa dele. Minha mãe e meu pai são separados, mas não são brigados. (…) Mas agora parece que eles se uniram mais para conversar comigo, perguntar, me ajudar quando preciso de alguma coisa. Eu me senti mais unido [a eles], também”
Desde que foi criado, em setembro de 2010, o Novo Olhar já recebeu mais de 440 educandos. As medidas socioeducativas em meio aberto, às quais o serviço se dedica, são consideradas mais abrangentes e eficazes pelo coordenador do serviço. “Elas não avaliam só o ato cometido. Elas vão ver quem é a pessoa, por que ela está ali, como ela está no momento e se cabe mantê-la em liberdade”, descreve Dantas. Além de estenderem o atendimento também às famílias dos adolescentes – o que permite reaproximá-los e promover a consequente melhoria do relacionamento familiar, como ilustra o depoimento acima –, elas geralmente acabam por incentivar os jovens a reavaliarem seus próprios comportamentos.
Os adolescentes ouvidos pela reportagem afirmaram ter, hoje em dia, interesses bem diferentes daqueles que manifestavam antes de ingressar no Novo Olhar. Questionados sobre suas atuais aspirações, disseram pensar em “terminar os estudos”, “trabalhar” e “ter uma vida normal como todo mundo”. “Essa é a importância da medida socioeducativa. Ela devolve o adolescente para o seu espaço social, só que com uma vigilância, fazendo-o observar a sua própria responsabilidade”, conclui o coordenador.
*Por motivos de segredo de Justiça, foram suprimidas as informações pessoais sobre os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, ouvidos para esta reportagem.